CONVERSANDO SOBRE A ESPIRITUALIDADE BRASILEIRA

Conversando Sobre a Espiritualidade Brasileira
Por: Rev Ricardo Barbosa

ENTREVISTA. O teólogo Ricardo Barbosa fala sobre o tema abordado em obra da Editora Mundo Cristão.

O tema da espiritualidade inegavelmente permeia a vida moderna. Ela extrapolou o universo religioso e infiltrou-se em círculos dos quais jamais se esperaria tal porta de entrada. Empresas e executivos, ciência e tecnologia, escolas e movimentos sociais - para citar apenas alguns - se renderam ao universo místico, subjetivo e abrangente da espiritualidade. É com o objetivo de focar alguns aspectos que influenciaram a espiritualidade na cultura pós-moderna que a Mundo Cristão lançou a obra: O melhor da espiritualidade brasileira. O projeto reuniu 18 pensadores cristãos da igreja evangélica contemporânea, que abordam e interpretam o tema de acordo com sua esfera de atuação. Em entrevista exclusiva, o pastor e teólogo Ricardo Barbosa, responsável pela árdua tarefa de introduzir a coletânea de ensaios contida na obra, fala brevemente sobre a espiritualidade nos dias atuais. Um aperitivo do que é possível encontrar nas páginas do livro.

Qual é a diferença entre espiritualidade e religiosidade?
Vou arriscar um palpite: de certa forma, eu diria que o mundo hoje é mais "espiritual" e menos "religioso". Parece-me que ser religioso é estar vinculado a uma forma particular de vida religiosa, freqüentar com regularidade um determinado grupo, levar a sério as normas, os princípios e valores daquela religião. Já a espiritualidade é um termo mais abrangente, subjetivo, próprio da cultura pós-moderna. As pessoas hoje tendem a ser mais "espirituais" e menos "religiosas", mais abertas a tudo aquilo que é transcendente, místico, esotérico ou simplesmente exótico. Faz parte da moda ser "espiritual", porque isto significa ser "aberto", inclusivo, não ter preconceitos, gostar de tudo o que é bom, que faz bem, que levanta o "astral", que eleva o espírito. Veja que eu não estou falando de espiritualidade na perspectiva cristã, mesmo porque acho que esta expressão está hoje muito desgastada e já não apresenta um sentido histórico ou teologicamente cristão. A religiosidade parece requerer um certo nível de compromisso, de identidade cultural, ao passo que a espiritualidade não requer nada disto.

Hoje, qual é o espaço que as pessoas encontram para desenvolver a espiritualidade? É possível ter e manter uma espiritualidade mesmo sem freqüentar uma igreja?
O dr. James Houston costuma dizer que o novo interesse pela espiritualidade reflete a revolta do espírito humano ao aprisionamento produzido pelo racionalismo frio e impessoal do mundo moderno. Fala-se hoje em espiritualidade no mundo dos negócios, no meio ambiente etc. Em várias áreas que até pouco tempo atrás eram dominadas exclusivamente pela ciência e pela tecnologia, já se fala em espaços de desenvolvimento espiritual. Técnicas e dinâmicas são oferecidas para promover a "espiritualidade" dos funcionários de uma empresa ou mesmo para melhorar a auto-estima das pessoas. Espiritualidade e igreja não têm necessariamente muita coisa em comum. Agora, em se tratando da espiritualidade cristã, não vejo como experimentá-la fora da igreja. Não há nenhuma possibilidade de viver a vida cristã fora da comunhão com outras pessoas. Seguir a Cristo é entrar num caminho onde perdão, misericórdia, amor, bondade, justiça, reconciliação, pecado, confissão, pão e vinho são experimentados. E nada disto pode ser experimentado fora da igreja.

Após um período de intenso materialismo e individualismo da sociedade moderna, o século XXI desponta como um tempo de redescoberta da espiritualidade?
O grande paradoxo que vivemos hoje é que, apesar desta enorme abertura para compreender mais profundamente a complexidade humana - uma das portas que se abriram para a redescoberta do que chamamos hoje de "espiritualidade" - o problema da superficialidade, do consumismo ou do individualismo não foi resolvido. Ao contrário, acabou por intensificar-se. A maioria dos modelos terapêuticos que temos hoje intensifica o individualismo na busca pela auto-realização, e isto vai na contra-mão de todo o propósito bíblico para o ser humano. Da mesma forma, os modelos de "espiritualidade" que vemos por aí são, de fato, formas de bajulação de egos frustrados e confusos. Então, eu diria que sim, que a redescoberta da "espiritualidade" é um fenômeno do século XXI, mas que o que temos visto não representa, nem de longe, a proposta cristã de espiritualidade.

Como você avalia a espiritualidade na igreja evangélica contemporânea?
A igreja evangélica está inserida na mesma cultura e sofre os mesmos impactos das mudanças que toda a sociedade tem vivido. Eu diria que nas últimas décadas experimentamos, entre outras, três grandes revoluções: a revolução psicoterapêutica, a revolução do mercado e a revolução tecnológica. A primeira contribuiu com a valorização da pessoa, que acabou por alimentar uma nova religião, a do "ser". Existe hoje um enorme esforço para atender às demandas insaciáveis do ser pós-moderno. Por sua vez, a revolução do mercado e a cultura do neo-liberalismo, além de também intensificarem o individualismo e o narcisismo, alimentaram a necessidade de sucesso, uma vez que o reconhecimento e a identidade das pessoas são medidos pela competência e pelo resultado.

Nota-se nas igrejas que a espiritualidade perdeu muito espaço para questões políticas, moralismos e busca de resultados numéricos...
A preocupação com a política e a evangelização sempre fizeram parte da agenda da igreja. O que mudou com a nova presença do mercado é que a preocupação não é mais com as questões da ética na política, mas com o poder; não mais com a evangelização, mas com o crescimento da igreja. Muitos pastores já não têm a paciência de caminhar o longo caminho do discipulado, da transformação pessoal, do crescimento e da formação espiritual. É a cultura dos resultados rápidos e funcionais. Diversas igrejas investem muito dinheiro e tempo em mecanismos de entretenimento dos crentes e nas novas ferramentas de crescimento. A revolução tecnológica tem neste processo um papel mais sutil. Com as ferramentas que dispomos hoje, a estrutura de uma igreja não é mais determinada pela dinâmica da comunhão, do crescimento em Cristo, da confissão e da reconciliação, mas pelo uso destas ferramentas que garantem o funcionamento, o crescimento, os recursos e a própria dinâmica da igreja.

Como isso influencia esse crescimento?
Hoje, uma igreja que quer crescer não precisa necessariamente orar, estudar e meditar nas Escrituras, ouvir e acompanhar cada pessoa em sua história. Precisa apenas contratar um especialista em marketing e adotar um dos inúmeros programas de crescimento que o mercado religioso dispõe e pronto. Ela logo estará crescendo e seus membros envolvidos numa ciranda de atividades para, depois de alguns anos, descobrirem que continuam tão ou mais vazios que ao chegarem.

Que tipo de espiritualidade se busca em um contexto em que a pós-modernidade impõe ao homem um modo de vida superficial?
Há uma diferença entre a espiritualidade que se tem buscado e a espiritualidade que deveríamos buscar. A que se tem buscado, como já disse, é subjetiva, narcisista, intimista, verticalista e auto-centrada. Ela acontece de forma espasmódica, às vezes num culto, ou numa reunião, mas tem pouca ou nenhuma relação com a totalidade da vida e do Evangelho. A que deveríamos buscar é aquela que nos é proposta nas Escrituras. Em primeiro lugar ela é trinitária, ou seja, nos envolve na comunhão com o Pai através do Filho no poder do Espírito Santo. É também Cristocêntrica: tem como ponto de partida a conversão a Cristo, o ser nova criatura, que nos envolve em um processo dinâmico e contínuo de transformação a sua imagem, mantendo os olhos voltados para a cruz e a ressurreição. É fundamentada nas Escrituras e não nos sentimentos subjetivos e abstratos do espírito pós-moderno. É também comunitária, construída ao redor dos sacramentos onde o pão e o vinho são símbolos e prenúncio da vida comum que temos em Cristo e do Reino que há de vir. E, por fim, é missionária, porque acontece no mundo onde somos chamados para servir em obediência, sacrifício e amor.

O Rev Ricardo Barbosa é pastor da IPB do Planalto - Brasília / DF.

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